Sem licitação e sem contrato, RJ gasta R$ 75 milhões em kits educativos com empresa suspeita de fraude
O governo do estado escolheu o modelo de aquisição por "ata de registro de preços", mesmo padrão de negócio investigado por procuradores da República de P...

O governo do estado escolheu o modelo de aquisição por "ata de registro de preços", mesmo padrão de negócio investigado por procuradores da República de Pernambuco, onde houve suspeita de compra superfaturada com fraude no processo licitatório. Sem licitação e sem contrato, RJ gasta R$ 75 milhões em kits educativos com empresa suspeita de fraude O Governo do Rio de Janeiro gastou mais de R$ 75 milhões, sem licitação ou contrato assinado, em kits educativos com a CDEL Distribuidora. A empresa faz parte do grupo econômico dos irmãos Antonio e Gustavo Mendes, denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) de Pernambuco em 2023 por fraudes em licitações. A CDEL Distribuidora, segundo o MPF de Pernambuco, tem histórico de irregularidades em várias cidades, vendendo a valores superiores aos de mercado. A aquisição no RJ ocorreu através do mecanismo de "ata de registro de preços", mesmo modelo investigado no caso de Pernambuco, onde a empresa teria superfaturado a compra de livros em R$ 5,6 milhões. O modelo de compra adotado em Pernambuco foi o mesmo realizado no Rio de Janeiro. Neste modelo, o contratante "pega carona" em uma compra semelhante feita por outro órgão público. Por exemplo: Se uma cidade de São Paulo comprou livros por R$ 50, outro ente público pode "pegar carona" na tabela de preços e comprar livros no mesmo valor. Essa é uma forma de dar agilidade ao processo de aquisição, sem gerar prejuízos aos cofres públicos. O problema é que o governo do RJ usou como base uma compra de livros, mas adquiriu outro produto. Lei não permite O Governo do Estado do Rio aproveitou a ata original que tratava da compra de livros literários por São Paulo. Porém, o estado fluminense comprou kits personalizados com cartilhas de 40 páginas, cartazes, adesivos e folhetos digitais e físicos sobre temas como direitos das mulheres, dengue e trânsito. "Um dos requisitos é que essa adesão seja feita para um objetivo idêntico ao que foi adquirido. Não pode mudar o produto, fazer adesão de algo alheio ao previsto na ata", alertou André Saddy, professor de Direito Administrativo da UFF e da PUC-Rio. Para o especialista em Direito Administrativo Victor Accioly, a legislação permite pequenas alterações, mas não a troca de produto. "A palavra 'personalização’ é incompatível com a adesão à ata. Você está usando algo especificado por outro órgão. No máximo, pode colocar um logotipo", explicou Accioly. Consulta ineficaz A equipe de assessoria jurídica da Secretaria da Casa Civil do Governo do Rio de Janeiro classificou a consulta de preço realizada no estado como "ineficaz". Cada kit custou R$ 46,29. No parecer, os técnicos apontaram que a cotação foi feita com apenas 12 empresas, o que não atende a determinação da Procuradoria Geral do Estado, diante da diversidade do mercado editorial e de possíveis revendedores e distribuidores. Cláudio Castro (imagem de arquivo) Cristina Boeckel/g1 Rio A quantidade comprada também acendeu um alerta entre os assessores. Foram adquiridos mais de 1,6 milhão de itens. Foram compradas 550 mil unidades para cada um dos programas: Operação Lei Seca, Segurança Presente e "RJ" Para Todos. O parecer afirma que o gestor deve ponderar se é necessário, eficiente e razoável aliar a demanda de livros ao total de abordagens dos projetos. "O quantitativo foi fixado com base nos atendimentos realizados? A cada abordagem será entregue um livro? É necessário, eficiente e razoável aliar demanda de livros ao número de abordagens?", questionou o parecer. Denúncias contra o grupo Em outubro do ano passado, os sócios da CDEL foram denunciados pelo MPF pernambucano pela segunda vez. A denúncia ocorreu no mesmo mês em que a empresa recebeu os pagamentos do governo do Rio. Foram cinco parcelas que totalizaram R$ 75 milhões. Os pagamentos ocorreram sem haver nem mesmo um contrato assinado entre eles. "A gente tá falando de livros que podem ser entregues inclusive com defeito. Você precise tratar de garantia, de penalização (...) isso faz com que seja obrigatório, até por conta do valor, que é um valor significativo, a formalização do instrumento contratual", questionou Victor Accioly. "A compra sem contrato, por meio de nota de empenho, ela tem uma premissa de que são valores baixos", reforçou o especialista. Reincidente Essa não é a primeira vez que o Governo do RJ faz uma compra milionária sem licitação para material educativo. Novo contrato do governo do RJ prevê compra de livros 4 vezes mais caros Em 2023, o RJ1 mostrou que a Secretaria de Educação contratou uma empresa para fornecer livros a um custo quatro vezes superior ao preço praticado no mercado. Naquela ocasião, o fornecedor também foi a CDEL. Após a divulgação da reportagem, o Ministério Público do Rio instaurou um inquérito civil para investigar o sobrepreço. O que dizem os citados Em nota, a defesa dos irmãos Antônio e Gustavo Mendes disse que a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal ainda não foi recebida pela Justiça. Os advogados disseram que não há elementos de resposta antes da formalização do processo e que, caso haja o recebimento da denúncia, a empresa e os sócios vão responder oportunamente. A defesa disse ainda que não há nada que impeça a participação da empresa em processos licitatórios no país.